Maio / 2019
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AQUELES QUE DESAFIAM O SISTEMA: OS BODES EXPIATÓRIOS
INTRODUÇÃO
Sabe-se que a imagem característica do desporto competitivo envolve todo um complexo sistema que há décadas manipula eficientemente a sociedade. As poucas modalidades que contrariaram o sistema, expuseram os restritos bastidores do alto rendimento e consequentemente mergulharam numa considerável reprovação social. Comprometendo a si próprio e com chances de alcançar a população comum, podendo tornar-se um problema de saúde pública, devido sua incompatibilidade.
A presente Revisão trata com cautela de assuntos controversos, porém não expõe nomes, muito menos especifica as modalidades controversas, apenas se resume a problemática.
OBJETIVO
Analisar as linhas de argumentações das modalidades que contrariaram a imagem desportiva competitiva predominante na sociedade.
ANÁLISE
A imagem desportiva conquistada para com a sociedade
No filme Questão de Honra, contracenado pela atriz norte-americana Demi Moore, um dos causídicos do direito, após certa dificuldade durante o planejamento da defesa do réu, teve a estratégia de lembrar das suas atividades desportivas. Desvencilhando-se das circunstâncias por intermédio das edificantes recordações. O fato tratado na ficção soa como um reflexo da realidade onde percebe-se no âmbito escolar, o trabalho realizado pelo Profissional de Educação Física contribuindo diretamente não só aos inúmeros benefícios fisiológicos da infância e adolescência, mas na formação do caráter. Utilizando da ética desportiva, atua diretamente na capacitação daquela criança para conviver em grupos e enfrentar dignamente os desafios da sociedade. Vale salientar ainda, que essas atividades habitualmente não se resumem na fase do colegial.
Na sociedade, tratando-se da população comum, o profissional de Educação Física manipula estímulos respaldados pelo avanço tecnológico e consequentemente alcança o tão formidável fator profilático, havendo inclusive um provérbio que diz “quando se procura um médico, trata-se da doença. Mas quando se busca um Preparador Físico, se fortalece o organismo para que não adoeça”. Tendo esse profissional um relevante espaço na sociedade, e a educação física sendo uma profissão regulamentada no país (nos EUA e em determinados países de 1º mundo, a profissão não é regulamentada), o preparador físico atua em pé de igualdade com os demais profissionais na área da saúde.
Com tudo existe uma outra vertente, também correlacionada com a imagem do sistema desportivo aplicado à população. Trata-se do desporto competitivo, capaz de alcançar performances inimagináveis ao ser humano comum. É importante ressaltar que durante a Guerra Fria, o esporte de alto rendimento foi utilizado para representar as grandes potências. Não obstante as tensões da época terem sido “amenizadas”, o período muito influenciou para o avanço tecnológico e reconhecimento que o esporte obteve como um todo. E, apesar das características primitivas de entretenimento, assemelhou-se a boa imagem do sistema desportivo aplicado no bem-estar da população comum.
Os porquês do interesse populacional para com o espetáculo desportivo
Sabemos dos inúmeros problemas enfrentados pela sociedade e devido as tensões vivenciadas no cotidiano, se fazem necessários momentos de entretenimento, onde saturados cidadãos conseguem amenizar seus constantes conflitos quando contemplam o incrível espetáculo do desporto competitivo. Considerado um dos maiores fenômenos socioculturais, o espetáculo proporcionado pelo esporte é capaz de reunir as mais divergentes nações, sendo de extrema relevância para a sociedade. Vale ressaltar que para alcançar tamanho prestígio social, uma imagem foi configurada pelas maiores potências desportivas, imagem essa, vinculada a um conjunto de valores e princípios, sendo um reflexo da ética desportiva e fair play, que em determinados aspectos até superou o quadro característico do sistema desportivo aplicado na promoção da qualidade de vida.
Entretanto, expondo com cautela os bastidores que envolvem os atletas, poupando a sociedade dos sacrifícios e manipulações aos quais os competidores se submetem.
O lado sombrio não compartilhado com a população
Torna-se inenarrável imaginar que em determinadas modalidades, crianças são forçadas a treinamentos exaustivos e intenso estresse psicológico. Quando alcançam o nível profissional, além de relembrar o trauma da infância e enfrentarem treinamentos ainda mais causticantes, continuam se submetendo à inadmissível abstinência de nutrientes vitais, expondo diretamente o organismo a inúmeros riscos. Noutras modalidades, os corpos cadavéricos de seus atletas refletem as exaustivas horas de treinamentos e dieta restrita que esses desportistas se submetem. Sendo até censurável imaginar a intensa pressão para se adequarem no sistema antidopagem que, segundo De Sousa (2019) atinge substancialmente todo o cotidiano dos desportistas.
Já no fisiculturismo, a premiação em dinheiro, torna-se um dos fatores que geralmente contribui para o interesse dos telespectadores, principalmente em regiões distantes das grandes metrópoles. Porém, seria desnecessário estarem cientes que se trata de um dos esportes mais caros que existe, e que muitas das vezes as premiações não alcançam o alto investimento de uma preparação que envolve toda equipe multiprofissional, na qual o atleta e sua comissão técnica se empenham para a conquista do título, não dos prêmios.
Aqueles que desafiam o sistema
Sabe-se que as grandes modalidades desportivas possuem um forte aparato de monitoração, com inúmeras influências, inclusive política, sendo um sistema altamente complexo que manipula com eficiência a sociedade. Doravante as poucas modalidades que expuseram publicamente os restritos bastidores do alto rendimento, contrariaram toda concepção configurada há décadas perante a sociedade, falhando completamente, e afundando numa sombria reprovação social, enquadrando-se no que chamamos de verdadeiros “bodes expiatórios”.
Consequências
Vale frisar que em determinadas regiões de caráter conservador, essas modalidades simplesmente não existem devido às empresas evitarem vinculações com assuntos controversos. Já tratando-se da elite, afastando o interesse de valorosos patrocínios, refletindo nas remunerações e/ou premiações, sendo projetados num patamar bastante inferior em comparação com as demais práticas competitivas.
As argumentações daqueles que desafiam o sistema
As argumentações das modalidades que expõem a realidade dos bastidores desportivos, antes inacessível a população comum, geralmente apelam para o emocional apresentando discursos cansativos, porém dissimulados, ignorando as reais conjunturas.
Abaixo as 3 principais argumentações apresentadas:
Justificam a exposição de temas controversos devido a necessidade de “orientar” a população.
Alegam que o preconceito sofrido por suas modalidades seria decorrente da ignorância da população ou mídia má intencionada.
Diante das claras consequências negativas, alegam que são donos do próprio nariz, e não precisam se justificar perante a sociedade.
As “Argumentações” são sustentáveis?
As argumentações utilizadas não se sustentam diante da realidade e das terríveis consequências que acometem essas modalidades.
Pois, não são todos na sociedade que apresentarão genética e principalmente recursos financeiros para custear um programa de treinamento. E devido à tamanha exposição, corre o risco (uma hipótese) do mercado negro alcançar a população comum, especificamente jovens e adolescentes, e assim comprometer não só a imagem da própria modalidade, mas desencadear um dano ainda maior ao impetrar uma sociedade totalmente ausente do suporte tecnológico característico do alto rendimento para amenizar riscos.
Com relação a uma possível manipulação tendenciosa da mídia, numa simples pesquisa perceberemos que inúmeras ocorrências já comprometeram essas modalidades. Existindo registros onde apenas devido ao repórter ter perguntado “qual a sua mensagem para conscientizar os jovens acerca das drogas?”, aquele representante simplesmente destratou a todos presentes, abandonando a entrevista. Vale ressaltar que inúmeros competidores de diversas modalidades conseguem tratar do tema em questão como sempre o fazem e inclusive conquistando empatia. O que aquele atleta não o fez, talvez por clara ignorância ou ausência de sagacidade, sagacidade essa que conforme Campos (2012), necessária diante de determinadas circunstâncias:
E não faz parte do modelo esportivo existente. Mais uma exceção vergonhosa, portanto diante uma inescrupulosa reportagem (é também evidente a intenção dos dirigentes daquele programa), caberia a qualquer campeão, o domínio próprio com respostas brandas e coerentes, dignas de aceitação ao mesmo, que, desmistificando a má intensão presente…. (CAMPOS, 2012. p. 12).
Obviamente qualquer posicionamento duvidoso perante a sociedade, também comprometerá terceiros, sendo que, qualquer entidade, por mais simples que seja, ou aquelas de nível superior e até a esfera religiosa, exigem um posicionamento prudente da parte daqueles que indireta ou diretamente as representarão. No caso das modalidades consideradas polêmicas, geralmente seus representantes acreditam ser a opinião pública irrelevante para com seus esportes, e assim mergulharam suas modalidades numa sombria reprovação social. Frisando que essas importantes referências, simplesmente se isentaram da culpa, e diante de tantas consequências negativas, acabaram transferindo-a para a “ignorância” da sociedade ou intitulando a imprensa de má intencionada.
O mal-entendido com o fisiculturismo
Apesar de existirem controvérsias com relação a modalidade, esse esporte dispõe de inúmeras referências que atuam com prudência perante a sociedade, possuindo representatividade sustentável. Posicionamentos controversos e eticamente inaceitáveis não condizem com a real identidade desse desporto…. Obviamente, maus exemplos encontraremos em todas as áreas da vida.
Seria o Fisiculturismo um esporte perigoso?
Por que se evitam assuntos controversos? Seria algum problema tratarmos a respeito? A verdade cabe em todo lugar. Se analisarmos a história dos Campeões da categoria open do Olympia, chegaremos à conclusão que não só conquistaram os requisitos máximos do desporto, mas possuíram uma configuração orgânica favorável para administrar os extremos fisiológicos característicos do alto rendimento. Sendo que dois deles já faleceram, contudo alcançaram o período de senescência, chegando a ultrapassar os 60 anos, frisando que até para essas referências já falecidas o desporto também lhes trouxe longevidade. Sendo um tema, conforme De Salles (2018), bastante abordado em diálogos entre pesquisadores, treinadores, atletas e telespectadores do esporte. Devemos considerar a complexidade, havendo muitas questões a serem relacionadas, como histórico familiar, qualidade de vida, região etc.
Quais os exemplos que temos no país com o Fisiculturismo?
Incontáveis exemplos no país poderiam ser citados na matéria, contudo preferimos expor a história da Atleta Sheila Vieira, que se profissionalizou em inúmeras Artes Marciais, ingressando em 2004 na Seleção Brasileira de Luta Olímpica, onde em um dos treinos tomou um suplê que também a projetou na mesa de cirurgia, e consequentemente afastou a atleta por um ano.
Independente se foi ou não um golpe com aplicação controversa, é uma das manobras que mais surpreende o público.
Em 2004 no extinto Pride realizado no Japão, a mesma manobra foi aplicada, assombrando grande parte dos telespectadores.
Após o retorno, durante as seletivas para o Pan-Americano da Guatemala, a atleta sofreu uma lesão ainda mais grave. Desenganada pelos médicos, Sheila Vieira iniciou uma árdua batalha para voltar a andar. Possuindo duas hérnias discais, o Treinamento Resistido com Peso (TRP) foi coadjuvante no processo de fortalecimento muscular, deixando a ex-lutadora apaixonada. Ciente que nunca mais conseguiria lutar profissionalmente, não só fortaleceu o delicado quadro clinico por intermédio do TRP, mas conquistou um físico musculoso durante esse período, acomodando as possibilidades de aderir a outro esporte.
Mesmo tendo forte comprometimento lombar, voltou a treinar competitivamente devido ter encontrado segurança no fisiculturismo. Posteriormente conquistou títulos expressivos logo no início da carreira, como o de Campeã Paulista Estreante Figure 2006 (NABBA) e Paulista Interior Figure 2008 (NABBA), competindo até o ano de 2016 quando alcançou o 4º lugar no mundial.
Atualmente a atleta se tornou empresária, proprietária de uma Academia no interior de SP a qual leva seu próprio nome. Além de preparar desportistas para o fisiculturismo, atende a população comum promovendo a qualidade de vida.
DISCUSSÃO
Geralmente as modalidades competitivas que são vistas de forma negativa pela sociedade, não possuem características suficientes para sofrerem tamanho preconceito, sendo modalidades importantes para o desporto como um todo. Porém há possibilidades de as consequências negativas serem decorrentes do posicionamento de seus representantes, que ao se isentarem da culpa, acabam por transferi-la para fatores externos. Não alcançando êxito no convencimento, apelam para comportamentos detestáveis. Vale frisar que o direito de discurso não está em quem dissimula os fatos ou grita mais alto, mas naqueles que manipularem as circunstâncias a favor da razão, sendo este o único meio para se desvencilhar das condições contemporâneas.
CONCLUSÃO
É fato que o público se aglomera para assistir ao show ofertado pelas grandes atletas e obviamente é influenciado pela boa imagem desportiva que há décadas está alicerçada na sociedade. Contudo as modalidades que se posicionaram contrárias a essa concepção, não convenceram com suas argumentações, mantendo a postura inicial, consequentemente desencadearam uma cascata de consequências negativas para a própria modalidade e para a sociedade.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, T. Opinião do Leitor – Spider x Profissão Repórter. In: TATAME #178. Rio de Janeiro: Nova Tríade do Brasil, 2012. p. 12.
DE SALLES, B.F. Métodos e Sistemas de Treinamento para Força e Hipertrofia. Rio de Janeiro: CONNECT FIT, 2018. Curso Online. 2º Webinário com Professor Belmiro – 06/12/2018 (Gravação). Disponível em: < https://metodosesistemasdetreinamentop.club.hotmart.com/lesson/B1468gqo7d/2o-webinario-com-professor-belmiro-06122018-(gravacao) >. Acessado em 21 jun. 2019.
DE SOUSA, T.B.C. O Exame antidoping, as complexidades do organismo e das circunstâncias. Brasil Fisiculturismo e Fitness – BRAFF, Rio de Janeiro, abr. 2019. Disponível em < https://brasilfisiculturismo.com.br/o-exame-antidoping-as-complexidades-do-organismo-e-das-circunstancias/ >. Acessado em 21 jun. 2019.
QUESTÃO de Honra. Direção de Rob Reiner. Culver City: Columbia Pictures, 1992. DVD (138 min.).
Thiago Batista Campos de Sousa
Faculdades Integradas de Patos (FIP) – Patos/PB
Diretor Técnico-Científico da Federação Paraibana de Culturismo, Musculação e Fitness (FPCM-F) – João Pessoa/PB
Diretor Técnico-Científico da Confederação Brasil Fisiculturismo e Fitness (BRAFF) – Rio de Janeiro/RJ