Janeiro / 2023

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ANÁLISE MORFOLÓGICA E GENÉTICA – PART 1-4 – O SOMATOTIPO DE WILLIAM HERBERT SHELDON E DA BARBARA HONEYMAN HEATH ROLL COM LINDSAY CARTER

 

O somatotipo é um dos recursos que avaliam a morfologia humana. Sua criação data de 1940, tendo como mentor um Doutor em Psicologia, o norte-americano William Herbert Sheldon (1898 – 1977). 

Registro do Dr Sheldon 

DESÍGNIO DO NOSSO TRABALHO 

Embora muito comentado, o somatotipo é praticamente pouco aplicado no fisiculturismo, e, além disso, há muitos equívocos nas abordagens. A finalidade desta série de papers (4 matérias ao todo) não é apenas comentar a respeito dos recursos que muito auxiliam a periodização desportiva, como a antropometria (conforme fazem certas entidades, páginas da web e revistas especializadas), mas proporcionar, tanto as condições tecnicistas quanto tecnológicas de aplicação. 

Nessa 1ª matéria abordaremos um conteúdo raro, que compromete os conceitos primários, contudo também destacaremos as manobras subsequentes responsáveis por desvencilhar o método das barreiras iniciais.

UM RECURSO DE ANÁLISE MORFOLÓGICA COBERTO DE POLÊMICAS 

TALVEZ SEJA ESSA A RAZÃO DO INÍCIO REPROVÁVEL

Pouco é comentado, mas na época em que o somatotipo foi criado havia certa eugenia, havia muitas polêmicas, conflitos raciais etc, o que favoreceu para que esses infames conceitos refletissem na versão primária do recurso.

OS TRABALHOS ANTERIORES

O QUE TINHA DE ERRADO NA VERSÃO PRIMÁRIA DE SHELDON? 

Dentre os registros da trajetória de Sheldon, destaca-se o seu mestrado na universidade do Colorado, em que foram apresentados posicionamentos racistas, pois tinha como um dos objetivos comparar a inteligência de crianças mexicanas e brancas. Também ao se direcionar a jovens delinquentes, criticou Judeus e Italianos, chegou a depreciar Nova York, chamando-a de cidade bastante negrofílica, e rotulou a cultura americana como caótica, sendo que esses posicionamentos reprováveis indiretamente ou diretamente alcançaram o somatotipo, e o recurso também foi utilizado por Sheldon em polêmicos trabalhos (VERTINSKY, 2007; MADDAN; WALKER; MILLER, 2008; RAFTER, 2007).

HAVIA PROCEDIMENTOS CONFUSOS E DESGASTES DE CONVIVÊNCIA

Os procedimentos utilizados por Sheldon chegaram a causar incompreensões e escândalos. Ao fotografar mulheres despidas no departamento de educação física da universidade de Washington, uma caloura comunicou aos pais, o que ocasionou, logo no dia seguinte, a invasão do laboratório do psicólogo por uma equipe de advogados e funcionários da instituição, sendo tomadas todas as fotos de uma mulher nua e um livro, o que desencadeou um transtorno de curta duração naquela entidade. Esse incidente em Washington foi posteriormente atribuído a uma assistente que não esclareceu à caloura que seu anonimato seria mantido, ao censurar o rosto antes da análise. 

Vale também destacar as consequências dos desgastes de convívio entre a equipe de Sheldon, ao ponto de comprometer a publicação de um dos seus principais projetos, o atlas feminino (sendo publicado apenas o atlas do homem), pois a Harpers perdeu o interesse na publicação de outro atlas, e a fundação Wenner Gren, após escutar sobre os conflitos que a assistente Heath teve com Sheldon em Portland, também perdeu o interesse.

HAVIA CONCEITOS NA TEORIA DO SOMATOTIPO QUE NÃO ERAM SUSTENTÁVEIS

ACUSAÇÕES DE FRAUDES 

Barbara Honeyman Heath Roll foi uma das assistentes de Sheldon que mais se destacaram posteriormente, e num dos seus depoimentos consta que este a instruiu para considerar a altura e peso de quando os avaliados tinham a idade de dezoito anos, muito provavelmente devido ao conceito de que o morfogenótipo é refletido no somatotipo aos 18 anos, sendo este imutável.

AS ACUSAÇÕES NÃO SE LIMITARAM A BARBARA HEATH

Outros conflitos internos com assistentes nas instituições se tornaram públicos, como o episódio com Howard Lewis, que se queixou com a fundação Rockefeller, acusando que Sheldon estava tentando sabotar o plano primário. 

Dentre os relatos encontrados no levantamento de Vertinsky (2007, p. 306, tradução nossa), consta “a medida que Sheldon envelhece, ele parece estar enfatizando todos os defeitos como […] cientista que até agora foi aparente em suas publicações”

UMA DAS PRINCIPAIS ASSISTENTES PASSA A RESIDIR EM NOVA YORK

APÓS MAIS UM CONFLITO, UMA DAS SUAS ASSISTENTES TENTA UM DOUTORADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Heath se mudou para Nova York após uma discussão com Sheldon e ingressou num doutorado em Educação Física. Para a antropóloga, os Educadores Físicos manipulavam tão bem o somatotipo quanto os antropólogos ou demais pesquisadores

MODIFICAÇÕES ABRUPTAS

APÓS VÁRIOS DESGASTES, TODO O ACERVO É TRANFERIDO PARA CAMBRIDGE 

Apesar do Laboratório da Constituição ter sido fechado pelo Reitor de Medicina em Colúmbia no verão de 1953, Sheldon conseguiu convencer Dorothy Paschal, uma viúva com posses, a acomodar seu estoque histórico em Nova York, sendo que posteriormente montaram a Biological Humanics Foudation, estando em Cambridge todo o acervo.

UM POSICIONAMENTO DE SHELDON QUE PODE INSINUAR UMA VERSÃO NÃO TÃO CONTROVERSA

DEVIDO À CONSEQUÊNCIA DE TODO O DESGASTE, NA LITERATURA HÁ UM POSICIONAMENTO DE SHELDON QUE PODE APRESENTAR UM LADO PARALELO

Apesar de constarem na literatura registros que apresentam um Sheldon com valores duvidosos, que refletiram nos seus feitos, incluindo o somatotipo, o próprio Sheldon, segundo Vertinsky (2007, p. 309, tradução nossa), no Gesell Institute of Child Development, de New Haven, comentou com Louise Ames que “quase ninguém o conhecia como ele realmente era, que quase todo mundo […] pensava que ele era melhor ou pior do que o fato real da questão”, deixando subentendido que havia muitas incompreensões a seu respeito.    

A MORTE DE SHELDON E DE DOROTHY PASCHAL

A PERDA DE UM ACERVO HISTÓRICO

O insistir na vinculação de um tipo físico imutável com o caráter e a associaçãocom a infame eugenia da época não contribuíram para que a versão primária do somatotipo subsistisse. Em 1977 Sheldon faleceu. Dorothy Paschal também faleceu 2 ou 3 anos após, sendo que o robusto acervo, conforme Heath, tomou um destino desconhecido. 

BARBARA HONEYMAN HEATH ROLL CRAVA SEU NOME NA HISTÓRIA DA ANTROPOMETRIA

UMA VERSÃO QUE SE DESVENCILHOU DAS CONTROVÉRSIAS INICIAIS

Apesar da existência de muitos métodos paralelos à proposta original de Sheldon, talvez a versão de Heath-Carter predomine até os dias atuais devido a Barbara Heath ter participado diretamente dos trabalhos na versão primaria, alcançado, posteriormente, um conceito divergente e um posicionamento cauteloso em relação às polêmicas levantadas por Sheldon… Resumindo, esse posicionamento “fez poucas reivindicações sobre a eficácia de […] seu trabalho e se distanciou das conotações racistas e sexistas que Sheldon havia emprestado à somatotipagem” (VERTINSKY, 2007, p. 310, tradução nossa).

A VERSÃO DE HEATH-CARTER APRIMOROU UMA PROPOSTA COM A ANTROPOMETRIA 

Requintando a proposta de Richard Parnell, um médico inglês que na década de 50 utilizou a antropometria para prever o somatotipo, a Heath e o Neozelandês, Professor de Educação Física, John Edward Lindsay Carter também a utilizaram nos cálculos de variáveis imutáveis e de componentes modificáveis, contudo consideraram que o somatotipo pode sofrer alterações ainda mais substanciais e se distanciaram do impopular conceito de ser o somatotipo imutável, capaz de prever, do caráter à capacidade ou incapacidade de realizações futuras (VERTINSKY, 2007; GUEDES; GUEDES, 2006).

A PROPOSTA DE HEATH-CARTER AVANÇOU SOBREMANEIRA

UM MÉTODO QUE INICIALMENTE MANTEVE UM POSICIONAMENTO DISCRETO, PORÉM AVANÇOU SOBREMANEIRA 

Apesar do sutil posicionamento, ao ponto de, conforme Vertinsky (2007, p. 310, tradução nossa), encontrarmos na literatura a seguinte conjuntura “As pessoas frequentemente me perguntam: ‘qual é a utilidade disso?’ Disse […] ela: ‘eu faço isso porque é interessante, eu não aprecio grandes ilusões sobre sua utilidade’”.   

ENTENDENDO UM POUCO DAS POSSÍVEIS ANÁLISES DESSE RECURSO

Com relação às possibilidades de análises, é possível identificar se um ou grupo de somatotipos são estatisticamente semelhantes quando avaliados em momentos diferentes ou comparados com somatotipo de referência.

Conforme relataram Gris; Cardey; Lentini (2015); Bruneau-Chávez; Maldonato-Hernández; Lagos-Hernández (2021), em 1975 Hebbelinck, Carter e Garay trataram da distância de dispersão entre somatotipos – DDS de 1973, considerando resultados iguais ou maiores do que duas unidades (≥2) como distantes estatisticamente, sendo que essa abordagem bidimensional foi, segundo Carter et al (1983), detalhadamente discutida em 1977 por Duquet e Hebbelinck 

Obras literárias nacionais, como a do Guedes; Guedes (2006), citaram tanto a DDS quanto a abordagem tridimensional, a distância espacial entre somatotipos – DES, que também propicia identificar se dois somatotipos são estatisticamente semelhantes, sendo que, conforme Gris; Cardey; Lentini (2015), em 1985 no Brasil, após uma década de trabalho, o Dr. Claudio Gil Soares Araujo concluiu que um DES ≥1 indica significativas diferenças morfológicas

Esses recursos têm sido vistos em trabalhos que investigaram o futebol, voleibol, atletismo, natação, tênis de campo, ginástica etc., considerando a compreensão das amostras nessas duas abordagens (CABRAL et al., 2011; SILVA; RODRIGUEZ-AÑEZ, 2008; FIGUEIREDO, 2012; BRITO et al., 2002).

ENTENDENDO A APLICAÇÃO DO MÉTODO

QUANDO OS RESULTADOS NÃO CORRESPONDEM AO IDEAL

Na literatura são encontradas intervenções que averiguaram o somatotipo de determinadas modalidades desportivas, como a monografia de Loja (2013), que apresentou o somatotipo como sendo capaz de interferir na preparação de atletas.

Loja (2013) descreve as metas do aumento do volume de treino e controle alimentar caso a DDS seja significativa e o componente endomórfico acima do de referência; caso a endomorfia seja inferior, as alternativas, após a análise da prova, seriam o aumento da ingestão calórica ou não corrigir. Tendo uma mesormofia abaixo da de referência, a idade seria avaliada, ou após a análise da prova, há as alternativas de força lenta, rápida, explosiva e repetitiva.

Lindsay Carter com Barbara Heath        

Vale ressaltar que o reconhecido Dr Carter ainda vive, sendo que segundo boatos reside nos EUA, já a Barbara faleceu em 1998.

CONCLUSÃO 

O presente paper relembrou as polêmicas que envolveram o somatotipo, bem como as posteriores adaptações que proporcionaram que a nomenclatura sobrevivesse. Também destacou a aplicação do mesmo em modalidades esportivas paralelas ao fisiculturismo. No próximo paper, além de abordar a sua aplicação no fisiculturismo, será disponibilizado gratuitamente um software, que possibilitará que o recurso seja adicionado na atuação dos coaches que acompanham o nosso trabalho. 

REFERÊNCIAS

BRITO, P.; GARCÍA AVENDAÑO, P.; RODRÍGUEZ, A.; FLORES, Z.; RONDÓN, R.; VIRLA, A.E. Análisis comparativo de la aplicabilidad de las ecuaciones Rempel para evaluar el somatotipo de jóvenes deportistas venezolanos. Rev. Esp. Antrop. Biol, v. 23, p. 33-42, 2002.       

BRUNEAU-CHÁVEZ, J.; MALDONADO-HERNÁNDEZ, V.; LAGOS-HERNÁNDEZ, R. Diferencias del somatotipo entre niños mapuche y no mapuche de 12 y 13 años de Malleco, Araucanía, Chile. Revista de la Facultad de Medicina Humana, v. 21, n. 1, p. 124-129, 2021.             

CABRAL, B.G.A.T.; CABRAL, S.A.T.; MIRANDA, H.F.; DANTAS, P.M.S.; REIS, V.M. Efeito discriminante da morfologia e alcance de ataque no nível de desempenho em voleibolistas. Revista Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano, v. 13, p. 223-229, 2011.       

CARTER, J.E.; ROSS, W.D.; DUQUET, W.; AUBRY, S.P. Advances in somatotype methodology and analysis. American Journal of physical anthropology, v. 26, n. S1, p. 193-213, 1983.   

FIGUEIREDO, J.S. Características físicas, somatotipo e desempenho de corredores de 100 e 400 metros no Rio Grande do Norte. 2012. 60f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Saúde)–Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012     

GRIS, G.M.; CARDEY, M.L.; LENTINI; N.A. Conducta Biotipológica en deportes de contacto. EmásF: revista digital de educación física, n. 36, p. 66-80, 2015.

GUEDES, D.P.; GUEDES, J.E.R.P. Manual prático para avaliação em educação física. Barueri: Manole, 2006. 

LOJA, H.H.G. Determinación del somatotipo de atletas de la Federación Deportiva del Azuay entre los 14-16 años de edad. 2013. 124p. Monografia (Licenciatura em Ciências da Educação)–Universidade de Cuenca, Cuenca, 2013.

MADDAN, S.; WALKER, J.T.; MILLER, J.M. Does size really matter?: A reexamination of sheldon’s somatotypes and criminal behavior. The Social Science Journal, v. 45, n. 2, p. 330-344, 2008.

RAFTER, N. Somatotyping, antimodernism, and the production of criminological knowledge. Criminology, v. 45, n. 4, p. 805-833, 2007.

SILVA, A.I.; RODRIGUEZ-AÑEZ, C.R. Somatotipo e composição corporal de árbitros e alunos árbitros de futebol. Revista Brasileira de Futebol, v. 1, n. 1, p. 20-32, 2008.  

VERTINSKY, P. Physique as destiny: William H. Sheldon, Barbara Honeyman Heath and the struggle for hegemony in the science of somatotyping. Canadian bulletin of medical history, v. 24, n. 2, p. 291-316, 2007.

Thiago Batista Campos de Sousa

Faculdades Integradas de Patos (FIP) – Patos/PB
Diretor Técnico-Científico da Federação Paraibana de Culturismo, Musculação e Fitness (FPCM-F) – João Pessoa/PB
Diretor Técnico-Científico da Confederação Brasil Fisiculturismo e Fitness (BRAFF) – Rio de Janeiro/RJ